O Centro de Investigação em Saúde de Manhiça (CISM), em coordenação com o Instituto de Saúde Global (ISGLOBAL), implementa o projecto denominado BOHEMIA, que conta com o financiamento da UNITAID. O projecto BOHEMIA é um ensaio clínico que visa reduzir a transmissão da malária através da administração de Ivermectina em humanos e gado, cuja premissa é de que, os mosquitos estão a evitar o contacto com as redes mosquiteiras e paredes pulverizadas com inseticidas preferindo picar no exterior das casas, alterando os seus horários de maior actividade e alimentando-se de sangue de animais.
Em diferentes partes do mundo, já se implementaram inúmeras estratégias de controlo da malária, das quais, algumas foram muito bem-sucedidas, tal como ficou demonstrado pela recente certificação da China como país livre de malária por parte da Organização Mundial da Saúde (OMS). Muitas destas estratégias, baseiam-se nos resultados de ensaios clínicos de novos fármacos contra a malária, e normalmente, os voluntários que participam neste tipo de ensaios são recrutados através dos centros de saúde.
Porém, embora o BOHEMIA seja um ensaio clínico, é bastante fora do comum nesse aspeto, devido a complexidade do mesmo que reside não só na forma como é feita a recolha de dados, mas também na complexidade logística que supõe organizar os mais de 200 trabalhadores de campo, que irão visitar dezenas de milhares de agregados familiares. Aqui, a disponibilidade de ferramentas digitais (tablet, softwares, etc…) tem sido fundamental para o avanço do projecto.
Com estas ferramentas, tornou-se possível lidar com grandes quantidades de dados, mapear toda área do distrito, reduzir erros humanos e economizar tempo. Elas permitem que os trabalhadores no terreno também identifiquem as instalações onde se guardam animais domésticos (os animais são uma fonte adicional de alimento para os mosquitos), mas também, mapear todos os recursos hídricos que encontram no distrito: rios, tanques, poços, etc. (estes constituem zonas de reprodução dos mosquitos).
Conforme explica Eldo Elobolobo, gestor de dados do projecto BOHEMIA em Mopeia, “a disponibilidade de novas ferramentas contribui bastante para a previsão de possíveis desafios que poderão resultar da implementação do projecto, como também, a estarmos preparados para lidar com imprevistos. Por exemplo, quando contamos e registamos uma casa, pintamos um número na porta, só que, às vezes, descobrimos mais tarde que o número despareceu, seja porque a chuva apagou a tinta, ou porque a família instalou uma porta nova, etc. Mas graças a essas tecnologias que dispomos (uma delas é a OpenDataKit da Databrew), podemos cruzar todos os dados associados a essa casa e encontrá-la facilmente, mesmo sem acesso à Internet”.
Outra vantagem dessas tecnologias de acordo com Elobolobo, é a redução de erros. Comenta a esse propósito que “antes dessas tecnologias, fazíamos a limpeza de dados (detenção e correção de erros) depois de terminada a recolha de dados, entretanto, como a limpeza de dados é realizada muitos meses depois da recolha, nessa altura tornava-se difícil corrigir os erros, apenas restava-nos descartar os dados afetados. Mas agora com a digitalização, é possível corrigir os erros a tempo real”. “Por exemplo, um colega (Inoque António), durante o censo, introduziu um dado que indicava que a casa nº 23 estava habitada por quatro pessoas e que tinham 111 vacas. Sucede que, no nosso contexto é pouco provável que uma família detenha essa quantidade de vacas. Neste caso, o software detectou a anomalia e enviou um alerta para mim, que contactei em seguida ao colega e pedi-lhe para confirmar o número de vacas na casa 23. Estas eram na verdade 11, e assim corrigimos o erro”.
Por sua vez, Ruiz-Castillo, uma das investigadoras envolvidas no projecto, defende que “se os avanços biomédicos são o motor do progresso no controlo da malária, a inovação tecnológica é certamente o combustível que o alimenta, pois, muitas vezes pensamos que a eliminação da malária dependerá exclusivamente do desenvolvimento de novas estratégias de controlo de vetores e de novos tratamentos para a doença. No entanto, a inovação tecnológica tem igualmente um papel primordial na implementação dessas estratégias”.
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