Estudo prevê mais de 14 milhões de mortes evitáveis até 2030 se cortes à USAID continuarem
- Sonia Mocumbi
- há 5 dias
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Financiamento da USAID salvou 91 milhões de vidas nas últimas duas décadas — novos dados alertam que cortes recentes podem comprometer esse progresso

Maputo, 2 de Julho de 2025 – Um novo estudo publicado na revista científica The Lancet alerta para as possíveis consequências globais dos cortes recentes à ajuda externa dos Estados Unidos. A pesquisa, que contou com a participação activa Centro de Investigação em Saúde de Manhiça (CISM), foi liderada pelo Instituto de Saúde Global de Barcelona (ISGlobal), em parceria com o Instituto de Saúde Colectiva da Universidade Federal da Bahia (ISC-UFBA), a Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), e estima que 91 milhões de mortes foram evitadas entre 2001 e 2021 em países de baixo e médio rendimento, graças ao apoio financeiro da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID).
Contudo, os autores alertam que os cortes anunciados recentemente à ajuda externa norte-americana poderão resultar em mais de 14 milhões de mortes adicionais até 2030, incluindo mais de 4,5 milhões de crianças com menos de cinco anos.
“Estas conclusões surgem num momento crítico”, afirma Davide Rasella, Professor de Investigação da Instituição Catalã para a Pesquisa e Estudos Avançados (ICREA) no ISGlobal e coordenador do estudo. “Se quisermos alcançar os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), não podemos desmantelar mecanismos que já provaram ser eficazes na preservação de milhões de vidas. Precisamos de ampliar o financiamento, não de reduzi-lo.”
91 milhões de vidas salvas: evidência baseada em dados
Os investigadores analisaram dados de 133 países, combinando duas abordagens: uma avaliação retrospectiva (2001–2021) e modelos de previsão com projecções até 2030. Foram usados modelos estatísticos que consideraram factores como população, rendimento, educação e sistemas de saúde para estimar o impacto do financiamento da USAID na mortalidade, com análises por faixa etária e causa de morte. Modelos de micro-simulação permitiram ainda estimar o número de mortes adicionais caso os cortes sejam mantidos.
A equipa analisou dados de 133 países utilizando métodos estatísticos e modelos de previsão que consideraram factores como população, rendimento, educação e acesso à saúde. As análises revelaram que os programas financiados pela USAID foram associados a uma redução de 15% na mortalidade por todas as causas e 32% na mortalidade infantil.
Entre os países que receberam mais apoio, observou-se uma redução de 74% na mortalidade por VIH/SIDA, 53% por malária e 51% por doenças tropicais negligenciadas. Reduções significativas também foram registadas em mortes causadas por tuberculose, doenças diarreicas, infecções respiratórias, carências nutricionais e complicações maternas e neonatais
O financiamento da USAID tem sido vital para melhorar os indicadores de saúde nas regiões mais vulneráveis do mundo,” afirma Daniella Cavalcanti, investigadora de pós-doutoramento no ISC-UFBA e primeira autora do estudo.
O impacto dos cortes: vidas em risco
Para estimar os efeitos futuros, os investigadores modelaram dois cenários: continuidade do financiamento ao nível de 2023 e cortes de 83% nos programas da USAID, como anunciado em 2025. O cenário com cortes aponta para mais de 14 milhões de mortes adicionais até 2030, incluindo cerca de 700 mil mortes infantis por ano.
“Os nossos modelos mostram que a interrupção desses fundos pode ter um impacto comparável a uma pandemia global ou a um conflicto armado, particularmente nos países mais frágeis”, alerta Rasella.
Francisco Saúte, Director-Geral do CISM e coautor do estudo, reforça a importância da USAID:
“Pela nossa experiência em Moçambique, sabemos como este financiamento fortaleceu os sistemas de saúde no combate ao VIH, à malária e à tuberculose. A sua retirada representa não só uma ameaça imediata à vida, como também à infraestrutura construída ao longo de décadas.”
Um possível efeito dominó global
O estudo também alerta para um possível efeito em cadeia, já que os Estados Unidos representaram mais de 40% da ajuda humanitária mundial nos últimos anos. A redução no financiamento americano poderá levar outros doadores internacionais, como a União Europeia, a seguir o mesmo caminho — o que agravaria ainda mais a situação.
Além da saúde, os programas da USAID têm contribuído para avanços em áreas como educação, nutrição, acesso à água potável e resiliência económica — fatores que influenciam directamente os determinantes sociais da saúde.
“Se considerarmos que cada cidadão dos EUA contribui, em média, com apenas 17 cêntimos por dia para a USAID — cerca de 64 dólares por ano — é surpreendente o impacto positivo que esse valor tem tido. A maioria das pessoas apoiaria esta causa se soubesse disso,” conclui James Macinko, professor da UCLA e coautor do estudo.
Referência: Cavalcanti, D., Ferreira de Sales, L. et al. Evaluating the Comprehensive Impact of Two Decades of USAID Interventions and Forecasting the Effects of Defunding on Mortality up to 2030. The Lancet. June 2025.
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