INOVAÇÕES FARMACOLÓGICAS NO MANEIO DA HEMORRAGIA PÓS-PARTO: UM PASSO CRUCIAL PARAREDUZIR A MORTALIDADE MATERNA EM CONTEXTOS COM RECURSOS LIMITADOS
- Wanderleia Iris Noa
- 16 de jun.
- 3 min de leitura
Uma recente publicação da área da Saúde Materna Infantil do Centro de Investigação em Saúde da Manhiça (CISM), divulgada na revista The Lancet, traz uma importante reflexão sobre a problemática da Hemorragia Pós-Parto (HPP), uma das principais causas de morte materna no mundo e uma preocupação urgente de saúde pública.
O artigo destaca que, apesar dos avanços globais na saúde materna, a HPP continua a ser a principal causa de morte entre gestantes, sendo responsável por cerca de 27% das mortes maternas a nível mundial. Em 2020, estimou-se que aproximadamente 287 mil mulheres morreram por causas relacionadas à gravidez, das quais 95% ocorreram em países de baixa e média renda (PBMR). Destas, a grande maioria desses casos – 87% - foi registada na África Subsaariana e no sul e centro da Ásia.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que, embora a HPP seja uma condição biomédica prevenível e tratável, barreiras sociais, económicas e estruturais continuam a limitar o acesso a cuidados de qualidade. A ocitocina injetável, principal medicamento usado na prevenção e tratamento da HPP, está disponível na maioria dos PBMR. No entanto, a sua eficácia é frequentemente comprometida devido a problemas como: condições inadequadas de armazenamento, que afectam a estabilidade do medicamento; e a necessidade de aplicação por profissionais de saúde capacitados, frequentemente indisponíveis em áreas rurais ou remotas.
“Essa desigualdade reflete a urgência de inovações adaptadas a contextos de baixa infraestrutura. Enquanto países de alta renda praticamente eliminaram as mortes por hemorragia pós-parto, mulheres em regiões carenciadas continuam a morrer por causas evitáveis”, destaca um relatório recente da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Estagnação na inovação expõe lacunas históricas
A OMS alerta ainda para a falta de investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) voltados especificamente à HPP. Entre 2000 e 2023, apenas 29 medicamentos foram desenvolvidos ou investigados para esta condição — um número modesto, sobretudo se comparado a outras complicações maternas: 155 para parto prematuro; 103 para pré-eclâmpsia/eclâmpsia; e 43 para restrição de crescimento intrauterino.
Nos últimos 30 anos, apenas dois medicamentos foram efectivamente incorporados ao tratamento da HPP: a carbetocina termoestável injetável e o ácido tranexâmico parenteral. Ambos são eficazes e contornam desafios logísticos como a necessidade de cadeia de frio. No entanto, continuam a depender da presença de profissionais de saúde qualificados para administração, o que perpetua a barreiras de acesso em zonas remotas e com escassez de recursos humanos.
Futuro promissor depende de acção estratégica
Diante desse cenário, a OMS lançou a Estratégia Global 2023–2030 para o Combate à HPP, que tem como um dos pilares a definição de um Perfil Alvo de Produto (TPP). Essa ferramenta orienta o desenvolvimento de novos medicamentos, estabelecendo critérios mínimos e ideias que devem ser atendidos para garantir eficácia, segurança, estabilidade e facilidade de uso – especialmente em contextos com poucos recursos.
Entre as inovações farmacológicas actualmente em fase de ensaio clínico que seguem essa lógica, destacam-se:
Ocitocina termoestável inalada, que elimina a necessidade de agulhas e armazenamento refrigerado;
Comprimido liofilizado de rápida dissolução sublingual, de fácil administração e aplicação em qualquer ambiente.
Ambos os produtos encontram-se actualmente em fase II de testes clínicos e têm o potencial de transformar o acesso ao tratamento da HPP. No entanto, ainda enfrentam baixa adesão por parte da indústria farmacêutica, tanto pelo baixo retorno económico em países de baixa renda quanto pelas dificuldades regulatórias nesses mercados.
Sector privado e directrizes da OMS são chave para mudança
A OMS reforça que o envolvimento activo do sector privado – desde a pesquisa até a produção e distribuição – é crucial para garantir que essas inovações se tornem acessíveis às populações que mais delas necessitam. A organização afirma que a inclusão dessas novas formulações em suas directrizes terapêuticas poderá acelerar os processos regulatórios e promover a adopção mais ampla e eficaz em escala global.
“É essencial alinhar inovação com acesso, equidade e viabilidade nos países onde as mulheres mais precisam desses tratamentos”, defende a OMS.
A criação urgente de um TPP específico para medicamentos contra a hemorragia pós-parto é apontada como um passo estratégico essencial. Essa ferramenta poderá servir como bússola para governos, doadores, farmacêuticas e agências reguladoras, facilitando decisões baseadas em evidência e orientando o investimento em soluções inovadoras que, finalmente possam alcançar as mulheres que mais precisam delas.
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