DIA MUNDIAL DO MOSQUITO: REFLEXÕES SOBRE A CONTRIBUIÇÃO DO CISM PARA A VIGILÂNCIA VECTORIAL
- Nercio Machele
- há 5 dias
- 4 min de leitura

O Dia Mundial do Mosquito, celebrado a 20 de Agosto, assinala a descoberta histórica de Sir Ronald Ross, em 1897, de que os mosquitos do género Anopheles são responsáveis pela transmissão da malária. Esta data representa uma oportunidade para refletir sobre o papel destes insectos como vectores de doenças e sobre a importância das acções de prevenção e controlo.
Embora a malária continue a ser o foco central do debate, os mosquitos estão implicados na transmissão de várias outras doenças que afetam gravemente a saúde pública, incluindo dengue, zika, chikungunya, febre amarela e filariose linfática. A sua presença e proliferação são influenciadas por factores como alterações climáticas, urbanização desordenada, deslocações populacionais e resistência a insecticidas, criando um cenário complexo para o seu controlo.
Neste contexto, a vigilância vectorial assume um papel crítico. Trata-se do conjunto de actividades sistemáticas para detectar, monitorizar e analisar populações de vectores, identificando espécies, acompanhando a sua distribuição geográfica, medindo a sua densidade, comportamento e resistência a inseticidas, e avaliando a sua capacidade de transmitir patógenos. Informação é vital para: antecipar e responder rapidamente a surtos; orientar políticas de saúde pública e estratégias de prevenção; optimizar o uso de recursos e ferramentas de controlo; e garantir intervenções mais eficazes e sustentáveis.
O Centro de Investigação em Saúde da Manhiça (CISM), fundado em 1996, estabeleceu-se como um centro de excelência em investigação biomédica em Moçambique e no cenário internacional. Ao longo dos seus quase 30 anos, a sua estratégia concentrou-se em encontrar soluções para as principais doenças transmissíveis que afectam o país.
No campo da entomologia e vigilância vectorial, o CISM deu um salto qualitativo em 2014 com o lançamento do Programa MALTEM, financiado pela Fundação Bill & Melinda Gates e pela Fundação Bancária “la Caixa”, que permitiu criar um laboratório de entomologia moderno e totalmente funcional.
Desde então, a unidade tem desenvolvido um trabalho contínuo de monitorização das populações de mosquitos vectores, conduzindo estudos de resistência a inseticidas que orientam a escolha de produtos para campanhas nacionais. Avalia regularmente a eficácia e a durabilidade de redes mosquiteiras e da pulverização intradomiciliar (PIDOM), além de mapear a distribuição e a abundância das diferentes espécies, incluindo vectores emergentes como Anopheles stephensi. Integra dados entomológicos com padrões de comportamento humano para optimizar estratégias de protecção e investe na capacitação de técnicos e investigadores moçambicanos, assegurando a sustentabilidade desta área de conhecimento.
O Centro mantém ainda colaborações com instituições nacionais e internacionais, como o ISGlobal, a Arizona State University e o consórcio INFRARED – este último dedicado ao desenvolvimento de tecnologias inovadoras de análise rápida e de baixo custo, baseadas em espectroscopia de infravermelhos e inteligência artificial para avaliar indicadores entomológicos.

A produção científica do CISM em vigilância vectorial resultou em contributos concretos para políticas e práticas de saúde pública. Estudos de resistência de vectores a inseticidas revelaram resistência a piretróides e carbamatos, mas não ao Actellic nem ao DDT, informação que orientou a escolha de produtos pelo Programa Nacional de Controlo da Malária (PNCM). Avaliações do efeito residual da pulverização intradomiciliar demonstraram que o Actellic mantém eficácia por até seis meses, recomendando-se a repetição das campanhas após esse período para garantir proteção contínua.
No que respeita à durabilidade das redes mosquiteiras, verificou-se que, dois anos após a distribuição, apenas metade estava em bom estado, 30% podiam ser reparadas e 20% precisavam de substituição imediata — dados fundamentais para planear reposições e manutenção. No âmbito do Projecto Magude, a combinação de tratamento de massas, pulverização intradomiciliar e redes mosquiteiras permitiu reduzir em 86% a prevalência da malária entre 2015 e 2018. Estudos sobre o comportamento de picada dos mosquitos mostraram que muitas ocorrem antes de as pessoas se deitarem, tanto dentro como fora de casa, evidenciando a necessidade de ferramentas adicionais ao uso de redes. Paralelamente, o trabalho de interação com as comunidades foi essencial para superar resistências e mal-entendidos, reforçando a participação e a confiança nos projectos.
Estes resultados influenciaram directamente decisões nacionais e foram partilhados com organismos internacionais, contribuindo para a actualização de diretrizes da Organização Mundial da Saúde.
No entanto, apesar dos progressos alcançados, a luta contra as doenças transmitidas por mosquitos continua a enfrentar obstáculos significativos. A resistência crescente a insecticidas compromete a eficácia das ferramentas tradicionais, enquanto as alterações climáticas modificam os padrões de reprodução e distribuição dos vectores. Soma-se a necessidade de integrar a vigilância vectorial e epidemiológica para permitir respostas mais rápidas e direcionadas, bem como o risco de subdetecção de doenças transmitidas por mosquitos do género Aedes. A escassez de entomologistas qualificados no país reforça a urgência de investimentos contínuos em capacitação.
Para enfrentar esses desafios, o CISM planeia ampliar a sua actuação com a adopção de novas tecnologias de vigilância, incluindo sistemas automatizados de análise de mosquitos, a expansão das suas instalações laboratoriais e o fortalecimento da colaboração com redes de investigação regionais e globais. Paralelamente, continuará a formar a próxima geração de especialistas moçambicanos, garantindo que a experiência e o conhecimento acumulados nas últimas décadas sejam preservados e aprofundados.
O Dia Mundial do Mosquito é um lembrete de que, apesar dos avanços, estes insectos continuam a ser uma ameaça séria e persistente à saúde pública. A experiência do CISM mostra que a vigilância vectorial é mais do que um instrumento técnico — é uma estratégia fundamental para antecipar riscos, proteger comunidades e salvar vidas.
Investir nesta área é investir no futuro: um futuro em que a ciência, a inovação, a colaboração internacional e o envolvimento comunitário se unem para que os mosquitos deixem de ser vectores mortais.