
O ensaio clínico ALIVE (ALbendazol e IVErmectina) realizado pelo consórcio STOP (Stopping Transmission of Intestinal Parasite) mostra que um comprimido que combina albendazol e ivermectina é seguro e mais eficaz do que apenas o albendazol, no tratamento de parasitas intestinais (helmintos transmitidos pelo solo -HTS). Os resultados, publicados recentemente na revista The Lancet Infectious Diseases), abrem oportunidades para melhorar o controlo destas Doenças Tropicais Negligenciadas (DTNs) que afectam cerca de 1,5 mil milhões de pessoas em todo o mundo.
Os Helmintos Transmitidos pelo Solo são vermes parasitas que vivem no intestino humano e têm pelo menos um dos seus estágios de vida no solo e, incluem quatro espécies de vermes parasitas (Ascaris lumbricoides, Trichuris trichiura, os ancilostomídeos: Ancylostoma duodenale e Necator americanus) que são transmitidos através do contacto com o solo ou a água contaminada. Têm um impacto significativo na nutrição e na saúde, especialmente em crianças e mulheres em idade reprodutiva que vivem em zonas endémicas da América Latina, da Ásia e da África subsariana.
A actual estratégia de controlo dos HTS, que já vem sendo implementada há cerca de 20 anos, baseia-se na desparasitação em campanhas de administração massiva que é feita com albendazol/mebendazol para as populações em risco (crianças e mulheres em idade reprodutiva), juntamente com melhorias das condições de água, saneamento e higiene. Porém, após vários anos de uso tem se notado que o albendazol é altamente eficaz contra o Ascaris, mas a sua eficácia contra o T. trichiura tem vindo a diminuir, provavelmente devido a emergência de resistência. Além disso, o albendazol não é eficaz contra Strongyloides stercoralis, outro helminto que recentemente tem recebido mais atenção, ao ser acrescentado à lista dos HTS.
Dois medicamentos em um só comprimido
Para colmatar estas lacunas, o consórcio STOP, financiado pela EDCTP, testou um comprimido inovador que combina o albendazol e a ivermectina em dose-fixa. Em estudos anteriores, já tinha sido demonstrado que a ivermectina é mais eficaz contra o T. trichiura quando combinada com o albendazol que é o medicamento de eleição para tratar o S. stercoralis e outras infecções parasitárias.
O ensaio ALIVE que foi realizado na Etiópia, no Quénia e em Moçambique, testou a segurança e a eficácia da combinação em dose fixa (FDC do inglês fixed-dose combination) em crianças em idade escolar (entre os 5 e os 18 anos) infectadas com T. trichiura, ancilostomídeos e S. stercoralis, ou uma combinação destes parasitas. As crianças foram alocadas aleatoriamente em três grupos de tratamento: (1) uma dose única de albendazol, (2) uma dose da FDC (FDCx1), e (3) uma dose da FDC durante três dias consecutivos (FDCx3).
Garantindo a segurança
Uma das componentes do ensaio clínico (a fase 2) centrou-se em garantir a segurança da administração da FDC. Para isso, antes de expandir o ensaio para grupo maior de participantes, um pequeno número de participantes foi recrutado e tratado sequencialmente, de acordo com o seu peso. Essa abordagem permitiu monitorizar e identificar possíveis efeitos adversos decorrentes da administração de doses de ivermectina superiores às habituais (acima de 200 µg/kg), devido ao uso de doses fixas de FDC. Porque não foram observados eventos adversos graves, e os efeitos registrados nos grupos que receberam a FDC foram semelhantes aos do grupo tratado apenas com albendazol, o ensaio clínico prosseguiu para a fase 3. Nessa etapa, a eficácia foi avaliada num número significativamente maior de participantes, com a segurança sendo monitorização continuamente.
No total, 4.353 crianças foram rastreadas para infecções por HTS e 1.001 foram aleatorizadas para tratamento. Das crianças infectadas, 63% eram positivas para T. trichiura, 36% para ancilostomídeos e 10% para S. stercoralis.
Maior eficácia contra T. trichiura e ancilostomídeos
A eficácia do tratamento foi avaliada com base nas taxas de cura (ausência de ovos nas amostras de fezes após o tratamento) e na redução do número de ovos nas fezes em comparação com o que se registou antes do tratamento. Para T. trichiura, a FDC alcançou taxas de cura mais elevadas em ambos os regimes (97% para a FDCx3 e 83% para a FDCx1) em comparação com o albendazol (36%). Para os ancilostomídeos, o regime FDCx3 apresentou uma taxa de cura mais elevada (95%), enquanto o regime FDCx1 foi semelhante ao albendazol (79% e 65%, respetivamente). Para o S. stercoralis, o tamanho da amostra era demasiado pequeno para avaliar a eficácia, mas os dados existentes sugerem que a FDC também seria mais eficaz, uma vez que a ivermectina é muito mais eficaz do que o albendazol contra este parasita.
Embora a maioria das infecções tenha sido classificada como ligeiras, ambos os regimes FDC alcançaram taxas de redução de ovos mais elevadas do que apenas o albendazol.
Implicações para a saúde pública
“O resultado do ensaio clínico ALIVE mostraram que a FDC é uma ferramenta que nos próximos anos poderá melhorar de forma significativa o tratamento das infecções por HTS em Moçambique, ao mostrar que a FDC é mais eficaz contra estes parasitas, mas que também permite o tratamento de espécies que actualmente estão negligenciadas (S. stercoralis)” afirma Áuria de Jesus, médica e coordenadora clínica do site de Moçambique. “Entretanto, é preciso reconhecer que ainda há passos importantes a ser dados, como a avaliação da administração em maior escala e avaliações de custo-eficácia que estão em curso no projecto STOP2030” acrescenta Inácio Mandomando, investigador principal do ALIVE em Moçambique.
A definição de estratégias de implementação óptimas será fundamental para a adopção da FDC pelos programas nacionais nos países onde os estudos foram realizados. Os resultados do ensaio sugerem que o regime de dose única da FDC pode facilitar a aplicação em campanhas de desparasitação em massa, enquanto o regime de três dias, que demonstra maior eficácia, pode ser mais adequado para decisões de tratamento individualizadas ou para programas que visem eliminar completamente os HTS da população.
Por último, apesar da FDC ter demonstrado boa eficácia e possuir uma formulação orodispersível (dissolve-se na boca) com sabor a manga – características que podem ter contribuído para sua aceitação entre crianças e seus responsáveis. Valdemiro Novela, coordenador do projecto STOP em Moçambique, destaca um ponto essencial: “Apesar da FDC melhorar a eficácia da desparasitação, é fundamental adoptar uma abordagem integrada, incluindo melhorias nas condições de água, saneamento e higiene. Além disso, é necessário ampliar o grupo alvo destas campanhas, indo além dos indivíduos de maior risco, para abranger outros segmentos da população. Somente assim será possível interromper o ciclo de reinfecções e alcançar as metas de eliminação.”
5 mints de leitura, saber como cuidar da saúde pública