ESTUDO EXPLORA DESAFIOS NO USO DA INVERMECTINA NO CONTROLO DE DOENÇAS TROPICAIS NEGLIGENCIADAS
- Nercio Machele
- 15 de out.
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As doenças tropicais negligenciadas (DTNs) continuam a representar um dos principais desafios para a saúde pública global, afectando sobretudo populações vulneráveis em áreas rurais e de baixa renda. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 1 bilhão de pessoas estão em risco de contrair uma ou mais doenças deste grupo, entre as quais se destacam a oncocercose, a linfaticofilariose, a esquistossomose, a tricuríase e várias outras infecções parasitárias, na sua maioria transmitidas pelo solo. Essas enfermidades não apenas comprometem a saúde e a qualidade de vida das pessoas afectadas, mas também geram impactos sociais e económicos consideráveis, perpetuando ciclos de pobreza e limitando o desenvolvimento sustentável das comunidades onde são endémicas.
A ivermectina é um dos medicamentos mais utilizados no controlo de várias doenças tropicais negligenciadas (DTNs), como a sarna, a estrongilodíase e a tricuríase). O fármaco é amplamente empregado em programas de administração massiva de medicamentos (MDA – Massive Drug Administration), que têm como objectivo reduzir a carga parasitária em populações inteiras, prevenindo complicações graves e interrompendo os ciclos de transmissão.
Tradicionalmente, a dosagem da ivermectina nesses programas tem sido calculada por meio do método conhecido como “dose pole”, que determina a quantidade de medicamento a ser administrada com base na altura do indivíduo. Embora este método apresente vantagens logísticas, estudos recentes têm apontado limitações importantes – especialmente em contextos onde há grande diversidade corporal e nutricional, o que pode comprometer a precisão da relação entre altura e peso.
Nesse contexto, um estudo publicado na revista PLOS Neglected Tropical Diseases, intitulado “Fixed-dose ivermectin for Mass Drug Administration: Is it time to leave the dose pole behind?”, apresenta uma análise detalhada sobre a utilização da ivermectina em dose fixa nos programas de MDA. A pesquisa, conduzida por uma equipa internacional de cientistas – entre eles a pesquisadora do Centro de Investigação em Saúde de Manhiça (CISM), Áuria de Jesus – realizou uma meta-análise de dados individuais de participantes provenientes de diversos ensaios clínicos conduzidos em regiões endémicas.
Segundo Áuria de Jesus, “os resultados demonstraram que a eficácia da ivermectina varia consideravelmente entre indivíduos, dependendo de factores como peso corporal, altura, idade e condições de saúde. Essa variabilidade sugere que a prática actual, baseada no peso e altura pode levar à subdosagem, comprometendo a efectividade dos programas de controlo”.

A subdosagem pode permitir que parasitas sobrevivam, perpetuando a transmissão da doença em determinadas áreas, enquanto a sobredosagem pode aumentar o risco de efeitos adversos e comprometer a confiança das comunidades nos programas de MDA. E de acordo com de Jesus, esses achados reforçam a necessidade de repensar os protocolos de dosagem, considerando abordagens baseadas em doses fixas ajustadas por faixa etária. Ainda segundo a pesquisadora, essas estratégias adaptadas poderiam optimizar o uso de recursos durante as campanhas de MDA, assegurar a administração da dose terapêutica adequada, reduzir a ocorrência de subdosagem generalizada e aumentar significativamente a proporção de indivíduos tratados adequadamente – ampliando, deste modo, o impacto na redução da prevalência de DTNs.
O estudo também destaca a importância da colecta de dados detalhados e da vigilância epidemiológica contínua. “Compreender como a resposta individual à ivermectina varia entre diferentes grupos etários permite ajustar os programas de MDA de forma dinâmica, tornando-os mais eficazes e sustentáveis. Por outro lado, esta pesquisa oferece uma perspectiva crítica sobre práticas consolidadas, incentivando a inovação na implementação de programas de saúde pública e na gestão de doenças endémicas em contextos complexos”, conclui a pesquisadora.
Este estudo reforça a importância de integrar a pesquisa científica, o planeamento de políticas de saúde e as estratégias de implementação, de modo a garantir que as decisões sejam baseadas em evidências sólidas e adaptadas às realidades locais. A personalização das doses de ivermectina de acordo com o grupo etário, aliada à adaptação de programas de MDA, tem potencial para maximizar os benefícios do tratamento, reduzir a transmissão de doenças e contribuir para a eliminação de DTNs em regiões de alta endemicidade.
Referências
Echazu A, Bonanno D, Fleitas PE, Jacobson J, Matamoros G, et al. (2025) Fixed-dose ivermectin for Mass Drug Administration: Is it time to leave the dose pole behind? Insights from an Individual Participant Data Meta-Analysis. PLOS Neglected Tropical Diseases 19(9): e0013059. https://doi.org/10.1371/journal.pntd.0013059