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“A ESTAÇÃO DOS MOSQUITOS: A HISTÓRIA DA VACINA RTS,S EM MANHIÇA”

Uma trajectória marcada pela assistência médica às comunidades.
Uma trajectória marcada pela assistência médica às comunidades.

Tudo começa com a chuva. Em Manhiça, quando as primeiras gotas caem sobre os telhados de zinco, todos sabem o que vem a seguir: os mosquitos e a ameaça da temível malária. Mas, em 2002, um pequeno grupo de investigadores do Centro de Investigação em Saúde de Manhiça (CISM) e do actual Instituto de Saúde Global de Barcelona (ISGlobal) decidiu enfrentar essa realidade com um sonho ousado: participar no desenvolvimento da primeira vacina contra a malária do mundo.


O nome era curioso – RTS,S – quase como um código secreto. Por trás dele, porém, havia uma promessa poderosa: “treinar” o sistema imunitário das crianças a reconhecer e travar o parasita antes de este chegar ao fígado. Se a vacina funcionasse ali, em aldeias reais e com mosquitos reais, poderia funcionar em qualquer lugar.


Com recursos limitados, mas com uma equipa motivada e comunidades dispostas a colaborar, começou um dos capítulos mais marcantes da investigação biomédica em Moçambique. Enfermeiras, técnicos, médicos e jovens investigadores juntaram-se para construir um ensaio clínico de alto rigor científico, enfrentando desafios logísticos enormes — estradas quase intransitáveis, cortes constantes de energia, chuvas intensas. Ainda assim, a determinação era maior do que todos os obstáculos.


Os primeiros resultados chegaram com o peso de um Lancet em cima da secretária. Em crianças entre 1 e 4 anos, a RTS,S/AS02A mostrou ser capaz de reduzir novas infeções e diminuir episódios de malária clínica, no cenário real de Manhiça — com lama, mosquitos e todas adversidades do quotidiano. A vacina era segura, era imunogénica. E, pela primeira vez, um ensaio realizado num contexto rural africano dizia, em linguagem científica, que uma vacina contra a malária podia funcionar fora de um laboratório.


Depois, veio o trabalho paciente de construir pontes — literalmente, entre diferentes formulações de adjuvantes e, simbolicamente, entre a esperança e as políticas de saúde. O CISM conduziu um estudo comparativo, o “bridging”, entre a formulação inicial AS02A e uma versão mais adequada a bebés, a AS02D. O objectivo era prático: manter a eficácia, adaptar-se a crianças mais pequenas e preparar o terreno para ensaios de maior escala. Os resultados confirmam segurança e forte imunogenicidade também nesta faixa etária.

Bebés – mais pequenos e vulneráveis – estiveram no centro da visão.
Mais de 15.000 bebés e crianças foram incluídos
Mais de 15.000 bebés e crianças foram incluídos

Desde o início, os bebés – os mais pequenos e vulneráveis – estiveram no centro da visão. Ensaios realizados em vários países africanos, com contributos decisivos de Moçambique, mostraram que administrar a RTS,S na primeira infância era seguro. — Cada dado novo, cada artigo publicado, era mais um degrau firme na escada que conduzia a um futuro em que esta vacina poderia integrar programas nacionais de imunização.


Depois, o horizonte alargou-se. Entre 2009 e 2014, o ensaio de Fase III estendeu-se a 11 locais em sete países africanos — Moçambique entre eles — como uma verdadeira caravana de malas térmicas e formulários clínicos. Mais de 15.000 bebés e crianças foram incluídos. No CISM, o ritmo já era familiar: administrar doses, acompanhar vigilância, realizar microscopia, cumprir auditorias de dados; e depois, nas reuniões, ver os números ganharem, pouco a pouco, significado. Os resultados eram claros: entre crianças de 5 a 17 meses, a vacina reduziu em cerca de um terço a metade os episódios de malária clínica, preveniu formas graves da doença e mostrou benefício reforçado com uma dose de reforço. Não era uma bala de prata — mas era um escudo real, sobretudo quando usado em conjunto com redes mosquiteiras, diagnóstico e tratamento adequados.


Quando, em 2014, os últimos formulários foram registados, a história de Manhiça já estava entrelaçada com a de toda a África. Os dados moçambicanos — colhidos entre caminhos poeirentos, admissões noturnas, falhas de energia e roncos constantes de geradores — passaram a integrar um mosaico continental de evidência. E esse mozaico dizia, com clareza: nos sistemas de saúde reais, com crianças reais, o RTS,S consegue evitar inúmeras febres, inúmeras consultas e muitas campas demasiado pequenas para suportar os nomes gravados.


O mundo seguiu em frente — entre decisões de reguladores, deliberações da OMS, projectos-piloto e, mais tarde, a chegada de uma segunda vacina. Mas essa já é outra história. O que pertence ao CISM, entre 2002 e 2014, é isto: uma comunidade que abriu as suas portas; uma equipa de cientistas moçambicanos e parceiros que ergueu ensaios clínicos de classe mundial num distrito rural; e resultados que ajudaram a inclinar a política global para o lado da esperança.


Hoje, graças a esta investigação pioneira, milhares de crianças estão mais protegidas contra a malária. E tudo começou aqui, em Manhiça, com uma equipa que ousou sonhar, trabalhar em conjunto e acreditar que a ciência feita em Moçambique podia mudar o mundo.


Lições para quem sonha ser investigador

  • Grandes descobertas começam com pequenas perguntas. O simples “e se…?” pode ser o início de uma revolução científica.

  • O trabalho de equipa faz a diferença. Cientistas, enfermeiros, técnicos de laboratório, motoristas, agentes comunitários — todos são parte da descoberta.

  • Resiliência é chave. A investigação enfrenta falhas de energia, estradas intransitáveis, dados perdidos… Mas cada desafio superado transforma-se em conquista.

  • Ciência local, impacto global. O que começou em Manhiça hoje salva vidas em vários países africanos.

 

E se fosses tu o próximo?

Talvez sejas tu a descobrir novas vacinas, novas terapias ou estratégias inovadoras para controlar doenças. A ciência precisa de mentes jovens curiosas, criativas e determinadas. No CISM, e em muitos outros centros, há espaço para aprender, investigar e sonhar mais alto.

Porque, tal como aconteceu com a RTS,S, cada grande mudança começa com alguém que ousou tentar.

Referências

  • First Mozambique randomized controlled trial in Manhiça (RTS,S/AS02A) showed safety, immunogenicity, and efficacy against infection and clinical disease in children; published in The Lancet in 2004, with follow-up papers on duration of protection. The Lancet+1PubMed

  • Modeling and analyses from the Manhiça trial quantified reductions in force of infection and clinical malaria. PubMed

  • Bridging study in Mozambique comparing AS02A vs AS02D in children. BioMed Central

  • Infant safety and immunogenicity work laid groundwork for Phase III. The Lancet

  • Phase III trial (2009–2014) across 11 sites, including Mozambique, showed reduced clinical and severe malaria, with higher efficacy when boosters were used; primary results published in NEJM and The Lancet. New England Journal of Medicine+1PMC

2 comentários


Convidado:
20 de out.

Parabéns aos envolvidos nesse grande trabalho, com muita força digo "Fora malária".

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Convidado:
09 de set.

Excelente trabalho. Congratulações a todas as partes envolvidas

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